A decisão dos Estados Unidos de reduzir tarifas sobre uma parcela das exportações brasileiras reflete tanto pressões internas da economia americana quanto o estágio das negociações bilaterais. É o primeiro gesto de flexibilização desde o tarifaço decretado em julho.
Segundo Abrão Neto, presidente da Amcham Brasil, o fator decisivo foi a inflação. “Com a alta dos preços afetando o consumidor americano, especialmente nos alimentos, o governo buscou alternativas para reduzir custos internos”, afirma.
Não à toa, os 238 produtos liberados da tarifa extra de 40% têm forte vínculo com a cadeia agroindustrial americana. Entram na lista carnes bovinas e suínas, café, cacau, frutas tropicais, sucos, castanhas, além de fertilizantes e insumos nos quais o Brasil tem posição relevante e difícil de substituir.
Com o governo americano paralisado, indicadores oficiais — como os índices de inflação — deixaram de ser divulgados. Ainda assim, pesquisa do instituto Ipsos aponta que 59% dos americanos responsabilizam Donald Trump pela alta dos preços dos alimentos ao longo do ano.
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), os itens contemplados representam cerca de 37% das exportações brasileiras para os EUA. A maior parte dos embarques, sobretudo industriais, continua sujeita à tarifa adicional.
Frederico Lamego, diretor de relações internacionais da CNI, lembra que setores como máquinas e equipamentos, móveis, couro, calçados, aviação, óleos e minerais seguem pagando o adicional. Para ele, isso reforça a urgência de acelerar as negociações. “É uma situação delicada para a indústria”, afirma.
Gestos diplomáticos
Além da motivação econômica, a medida também tem peso político. Lamego destaca que a ordem executiva menciona, pela primeira vez desde julho, o processo de negociação com o Brasil — sinalizando melhora no clima diplomático.
“Foi um gesto de boa vontade de Washington para destravar o diálogo”, avalia.
Abrão Neto acrescenta que a flexibilização atende a uma proposta apresentada pelo governo brasileiro e marca a retomada de conversas que estavam paradas. O ambiente político recente teria facilitado essa reaproximação.
Apesar do avanço, a maior parte das exportações brasileiras segue fora da lista de isenção. A avaliação é de que os EUA aguardam uma proposta mais robusta do Brasil antes de ampliar o benefício.
João Henrique Gasparino, diretor-executivo da NimbusTax, explica que a medida só elimina a sobretaxa de 40% para os produtos listados. “Os demais itens brasileiros continuam sob a tarifa, especialmente aqueles que sofrem pressão de produtores americanos ou servem de moeda de troca nas negociações”, afirma.
Ele ressalta que permanecem vigentes as tarifas de base, medidas antidumping e barreiras sanitárias, o que limita o efeito do alívio. A ordem tem validade retroativa a 13 de novembro, permitindo solicitar reembolso do valor pago desde então.
Setores ainda afetados
Mesmo com a retirada parcial da sobretaxa, setores industriais relevantes continuam totalmente expostos ao tarifaço, como calçados e móveis, ausentes da lista de beneficiados.
Na indústria calçadista, a Abicalçados recebeu o anúncio com cautela. Embora não tenha sido contemplado, o setor vê a decisão como abertura para negociações futuras. “A medida traz esperança de solucionar o impasse que afeta as exportações desde agosto”, diz o presidente-executivo Haroldo Ferreira.
As indústrias moveleiras, representadas pela Abimóvel, têm avaliação mais dura: para a entidade, a medida praticamente não altera o cenário. A associação aponta revisão de pedidos, renegociação de contratos e redirecionamento de exportações como efeitos que continuam pressionando o setor.